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Portas que abrem e fecham.

  • Britto, R.S.
  • 5 de fev. de 2019
  • 3 min de leitura

É realmente interessante a mente da gente, principalmente quando se trata de “traumas” a gente não esquece né...podem passar dias, meses, anos e aquela cena não sai da cabeça, e mais, o mal estar que tal cena nos tráz... chega e poder ser semi-sentido novamente.


Era inicio de uma madrugada no outono, recém a chuva tinha dado uma trégua, mas ainda restavam poças em várias ruas da cidade. O clima interno era pesado, eu mais uma vez estava deixando um lugar que adorava estar, com um futuro ainda incerto pela frente, além de ser os últimos minutos que eu poderia estar com a pessoa que eu amava antes dos 9.000km que eu ia começar a trilhar para voltar ao Brasil. Para o caos ficar completo, quando chegamos os autofalantes da estação anunciavam que o trem regional que partira do Porto em direção a Lisboa, rodava com pequeno atraso. Eu arrastava com dificuldade a mala que a TAP havia quebrado na minha ida e equilibrava uma caixa com lembranças em cima da mala, enquanto administrava o nó que eu tinha na garganta e a vontade constante de chorar, já de saudade, sem mesmo ter ido.

Com os olhos sempre nos leds que mostravam a previsão de chegada do “comboio” abraçava meu namorado com vontade de não largar nunca mais. Ele, acredito que compartilhando de sentimentos semelhantes aos meus, de angustia e um pouco de tristeza, resolveu procurar alento em um café. Mexi nos bolsos e na intenção de me livrar dos cêntimos que ainda tinha, dei as moedas e deixei com que ele fosse explorar a estação atrás do café, e como já disse pra ele e repito aqui, foi o café que me custou mais caro na vida, que se arrependimento matasse, eu estaria morta. Pois bem, ele demorou cerca de 5...7min pra voltar, justos minutos que o comboio (o qual é elétrico) precisou para regularizar seu atraso. Os dois chegaram ao mesmo tempo na plataforma da estação: ele e o trem. Ele surpreso que o trem estava chegando, terminou o ultimo gole de café, enquanto ia em direção as minhas malas e minha cintura para me acompanhar até a porta do último vagão.


Era um trem atípico, diferente dos regionais diurnos e dos suburbanos do porto que tinham um tempo maior de embarque e desembarque, ele era um espécie de linha “corujão” onde as pessoas iam subindo em tudo que é estação e apeadeiros de forma muito rápido e decidida. O cobrador então saiu do vagão e começou a nos questionar se faríamos a viagem e de uma forma que nos cobrava rapidez e agilidade , justamente o que era praticamente impossível, no nervosismo, ansiedade, tristeza e fadiga emocional em que eu me encontrava. Ele então, sempre mais forte do que eu (pelo menos sempre terei essa impressão), pegou a mala e a caixa na mão, fez força e colocou tudo dentro do vagão de uma vez só seguindo sempre sendo constantemente apressado pelo funcionário.


Quando lá dentro estava, foi questionado se seguiria viagem, e quando a resposta foi negativa foi convidado educadamente para que se retirasse, nessa pressa toda, tudo que consegui foi dar um selinho rápido e muito superficial, em tempo ainda reinterei que o amava, e enquanto ele descia o degrau do trem, eu dei atenção pras minhas malas acomodando-as, no segundo seguinte, escutei o barulho e o inicio de movimento do tem, olhei em direção a porta e encontrei a mesma já fechada, com vidros espelhados que impediam que eu pudesse ver o lado de fora.


Acabou, dali eu só sairia 4 horas depois, já em Lisboa. Foi ai que já não pude mais conter nem os nós na garganta, nem a agua que se acumulavam nos meus olhos, meu peito parecia ter entrado em uma maquina de vácuo, e desabei por 1 hora sentada no degrau do vagão de braços cruzados em cima da minha caixa, passou a estação de Coimbra e eu ainda chorava, ainda que tentasse me consolar sozinha de que tudo ia acabar bem.


Foi tudo muito difícil, e de fato, nada acabou bem, talvez fosse uma sensação do que estaria mesmo por vir, que só fui entender todo esse tempo depois.


Essa cena das portas fechando e eu não conseguindo ver mais ele aconteceu há quase dois anos já, e até hoje não consegui apagar, e provavelmente não consiga. Mas o mais pesado de tudo é ter a angustia de lembrar sempre que foi a última vez e a última oportunidade que tivemos juntos pessoalmente, nunca mais nos vimos depois disso, e talvez, nunca mais nos vejamos.


ps: foto é obviamente ilustrativa.


 
 
 

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